sobota, 23 października 2010

António Lobo Antunes- Os Cus de Judas

Quando se fala da guerra é muito dificil dizer quem tem culpa ou quem sofreu mais e é mais difícil ainda dizer quem é responsável. Durante minha pesquisa sobre ALA encontrei um blogue muito interessante sobre literatura que de forma muito forte comentou a declaração do autor de Os Cus de Judas

« ''Eu tinha talento para matar e para morrer. No meu batalhão éramos seiscentos militares e tivemos cento e cinquenta baixas. Era uma violência indescritível para meninos de vinte e um, vinte e dois ou vinte e três anos que matavam e depois choravam pela gente que morrera. Eu estava numa zona onde havia muitos combates e para poder mudar para uma região mais calma tinha de acumular pontos. Uma arma apreendida ao inimigo valia uns pontos, um prisioneiro ou um inimigo morto outros tantos pontos. E para podermos mudar, fazíamos de tudo, matar crianças, mulheres, homens. Tudo contava, e como quando estavam mortos valiam mais pontos, então não fazíamos prisioneiros''.
Vós, que fostes combatentes na guerra do ultramar, que achais destas “preciosidades”?
Qual foi o Batalhão presente na guerra do ultramar que teve 25% de baixas? E o que dizer quanto à “guerra dos pontos”? Será que o infeliz Lobo Antunes, no intervalo das suas divagações literárias, se entretêm a jogar jogos de computador e o seu avançado estado de senilidade já não o deixa discernir entre o que é ficção e a o que foi a realidade por ele vivida em Angola nos anos de 1971 a 1973? Esta "guerra dos pontos" não será o reflexo de horas intermináveis a jogar Farm Ville no Facebook?
Na verdade, a “diarreia verbal” do Sr. Lobo, se não fosse trágica (e é...) seria cómica (não, não dá vontade de rir!)
E é grave, vinda de um ex-combatente, tal como nós. Envergonha-nos e envergonha quem profere semelhante verborreia (ou será que ele já não tem qualquer pingo de vergonha?).» 

Extraído do Fórum dos antigos militares do Batalhão de Caçadores 4611/72 (Angola, Novembro de 1972 a Novembro de 1974) http://forum4611.blogspot.com/
A história de ALA não passou despercebida, apareceram vários artigos a volta dela, recomendo o artigo de Manuel Catarino A Mentira e a Carta Aberta da Liga dos Combatentes publicada em Dario de Noticias. Quanto a veracidade das palavras de António Lobo Antunes nunca a vamos saber. Mas sempre podemos supor, ou deixar que nos sugerem.

«A PIDE eu também a conheci e bem. Os comentários aqui expostos, queiram desculpar mas não os posso aceitar ou quanto mais não seja compreender. Estive em angola em 1971 numa localidade de seu nome Chimbila (leste),onde se encontravam os mercenários catangueses que eram comandados por quem?pela PIDE e como é que eles faziam a guerra:? por objectivos:ou seja quantas mais armas mais $$$$ e isso significava o que? quem fica sem arma .... Sofri nessa localidade ao ver o que esses esbirros faziam, tanto a mulheres como até a crianças. A guerra psicológica também doí, ou será que estou enganado? »

tirado do blogue http://blog.comunidades.net/africa/index.php

António Lobo Antunes- Os Cus de Judas

« A proximidade da morte torna-nos mais avisados ou, pelo menos, mais prudentes: em Luanda, à espera de seguir dentro de dias para a zona de combate, trocávamos com vantagem a metafisica pelos cabarés safados da ilha, uma pêra de cada lado, o balde de espumante Raposeira » à frente, e a pequena vesga do strip-tease a despir-se no palco no mesmo alheamento cansado com que uma cobra velha muda de pele(…) De facto, e consoante as profecias da família, tornar-me um homem:uma espécie de avidez triste e cínica, feita de desesperança cúpida, de egoísmo, e da pressa de me esconder de mim próprio, tinha substituindo para sempre o frágil prazer da alegria infantil, do riso sem reservas nem subentendidos, embalsamado de pureza, e que me parece escutar, sabe? »

A degeneração humana consoante narrador é a perca do frágil prazer da alegria. Soldados longe das famílias, longe das autoridades e da sociedade sentem-se livres, impunes. Desfrutam desta situação, abusam mulheres, bebem em excesso, tentam suavizar a dor causada pela guerra, tentam tratar a ferida na alma, resultado da desilusão prematura. Os soldados por um lado são jovens, cheios de ideias, ternos, «mesmo antes do sexto JB sem água ou do oitavo drambuie» por outro lado assistindo à brutalidade da guerra tornam-se como animais com fome, que correm para saciar sua necessidade. Acham que durante a guerra as pessoas que não têm controle e autoridades perdem a sua humanidade? Acham que a guerra é  «a aprendizagem da agonia»?

António Lobo Antunes- Os Cus de Judas

A guerra muda não só as fronteiras, muda também pessoas. As tias da pequena-burguesia lisboeta disseram que a guerra vai «tornar (o narrador) finalmente homem» mas como podemos observar ao longo do livro não e precisamente este homem que tias queriam ver ao voltar da guerra. Narrador recorda o momento da partida com imensa ironia,

«agradecia ao Governo que me possibilitava, grátis, uma tal metamorfose(...) consentindo, num arroubo de fervor patriótico, ser acotovelada por uma multidão agitada e anónima, semelhante à do quadro da guilhotina, que ali vinha assistir a sua própria morte»Os Cus de Judas

A partida para Angola e participação na guerra é vista pelo narrador como absurda, os soldados são comparados com as pessoas que assistem a sua própria morte. A guerra finalmente torna narrador um cobarde, ser estranho que não se encontra na sociedade. Extraído do seu lar e da infância está posto em meio do teatro da guerra onde perde o controle sobre si mesmo. Quem tem poder em situações como esta não e a razão mas o instinto da sobrevivência, a pressão da maioria. Os nobres valore da humanidade deixam de funcionar, ganham força estes dos que temos vergonha, que estão escondidos na nossa subconsciência. Em fragmento referido em cima vê-se também a ironia de governo (Estado Novo em declínio) este é o elemento que aparece muitas vezes ao longo do livro.

António Lobo Antunes- Os Cus de Judas

António Lobo Antunes (1942- )




[www.dquixote.pt]


António Lobo Antunes (ALA) autor do livro Os Cus de Judas. Este livro foi editado em 1979 e faz parte da trilogia (Memória de Elefante e, Conhecimento do Inferno ). O titulo refere-se ao sitio que fica muito longe, nos cus de Judas. Este sitio é a Angola dos tempos da guerra colonial. Sitio que fica longe não só do ponto de vista geográfico mas também na dimensão humana. A viagem que o protagonista/narrador do livro faz é a viagem multidimensional, ou seja é a viagem de infância para adolescência, de paz para a guerra, de inocência para os horrores da guerra. Já no primeiro capitulo do livro aparecem recordações da infância. Mas o jardim zoológico, destino comum dos passeios da pequena-burguesia lisboeta, em vez de trazer a memória lembranças felizes traz uma imagem triste. A descrição metafórica do jardim mostra o processo do envelhecimento e da perca da inocência. 
 
«Os plátanos entre as jaulas acinzentavam-se como os nossos cabelos, e afiguravam-se-me que, de certo modo, envelhecíamos juntos(...) uma menopausa vegetal em que os caroços de próstata e os nós dos troncos se aproximavam e confundiam irmanar-nos-ia na mesma melancolia sem ilusões» Os Cus de Judas


Neste pequeno fragmento podemos observar não só a tonalidade triste e melancólica da descrição do jardim, mas também uma das marcas estilísticas do autor. António Lobo Antunes é medico e a sua formação nota-se nas descrições que contêm muitos pormenores anatómicos ou do campo de palavras relacionadas com medicina. O livro trata da guerra em Angola em que autor participou entre 1971 e 1973. O protagonista/narrador do livro tem muitas características do ALA, como diz Célia A. N. Passoni


«Nos romances de carácter autobiográfico, Lobo Antunes parte de um revolver da consciência, procurando entremear passado remoto, passado recente e presente numa investigação cautelosa e minuciosa da memória(...)As experiências vividas constituem-se-lhe fragmentos, estilhaços recolhidos segundo a importância que lhes atribui a memória, daí a falta de linearidade, e o aparente caos em que se transforma sua narrativa. »


A falta da linearidade é relacionada com o estilo da narrativa, as recordações misturam-se com elementos tanto do passado como do presente ou do futuro. Baseando em suas experiências autor constrói uma narração parecida com o fluxo da consistência. Autor usa neste caso a ferramenta psicológica, contando o paciente/narrador tenta «exorcizar seu passado» tenta libertar-se dos seus problemas, neste caso dos horrores da guerra que destroem o ser humano.